terça-feira, 6 de outubro de 2009

Um pouco de modernismo


"Lembro-me de que certa noite - eu teria uns quatorze anos, quando muito - encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da polícia Municipal haviam "carneado". (...) Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode agüentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando essa lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida?(...)
Desde que, adulto, começei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propicia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto."
(VERÍSSIMO, Érico. Solo de Clarineta.)

Ou seja, não desista de espalhar a sua luz por aí, não desista de ter uma, mesmo que você precise se esforçar constantemente para mante-la.